Em 18 de novembro de 2025, Nick Johnson, fundador do ENS, escreveu no fórum a seguinte mensagem:
“A luta política dentro do grupo de trabalho já custou à ENS DAO, afastando muitos contribuintes dedicados — e mais pessoas sairão ao final do mandato. Na situação atual, estamos caminhando para um cenário onde: todos os indivíduos sérios, focados e capazes são ou expulsos ou impedidos de participar, resultando na liderança da DAO nas mãos daqueles que são ou inexperientes, ou teimosos demais para sair, ou motivados por incentivos externos que não alinham com o protocolo.”
Depois, ele acrescentou:
“Se você acha que estou falando de você, não — claro que não — você é uma das boas pessoas.”
Essa frase parece um consolo, mas na verdade é uma das sátiras mais ácidas. Em uma organização que se autoproclama “descentralizada”, até mesmo o fundador precisa colocar uma camada de proteção ao criticar o estado atual. Essa frase, por si só, é um sintoma.
1. A Rebelião do Secretário
Tudo começou há uma semana.
Em 14 de novembro de 2025, Limes, secretário do ENS DAO, apresentou uma proposta de verificação de temperatura, cuja essência era simples: ao final do sexto mandato (31 de dezembro de 2025), encerrar as operações dos três grupos de trabalho de governança principal, ecossistema e bens públicos.
Na estrutura do ENS, o secretário não é uma figura de apoio genérica. Se os administradores são responsáveis pelos departamentos, o secretário é o núcleo administrativo de toda a DAO.
Limes é um participante de longo prazo do ENS DAO, atuando como administrador por quatro anos e como secretário por dois. Ele é um dos principais operadores dessa estrutura. Quando uma pessoa dessa propõe desmontar sua própria estrutura, isso já diz algo.
Ele apresentou razões diretas:
Primeiro, não há incentivo para dizer a verdade aqui.
“Quando o financiamento futuro depende de relacionamentos interpessoais, seu incentivo se torna não prejudicar os sentimentos dos outros. ‘Eu apoio sua proposta, você apoia a minha’ se torna a norma. Esse modelo prioriza segurança psicológica em detrimento da busca pela verdade, e sem buscar a verdade, só podemos obter resultados ruins.”
Segundo, não é possível eliminar pessoas inadequadas.
“Os grupos de trabalho não podem selecionar quem pode participar. Organizações tradicionais escolhem seus membros e, se necessário, os dispensam, enquanto os grupos de trabalho são default aberto, recrutando contribuidores com base na disponibilidade, não na capacidade. A realidade é que contribuintes ruins fazem bons contribuidores saírem.”
Sua conclusão é: esses problemas não podem ser resolvidos por melhorias nos processos, pois são inerentes à estrutura dos grupos de trabalho. Encerrar esses grupos é a única saída.
2. Lista de Fugas de Talentos
Após a postagem de Limes, um contribuinte chamado ENSPunks.eth — um advogado com mais de dez anos de experiência em direito societário — escreveu algo ainda mais contundente:
“A cultura é tóxica, cheia de filtros, conflitos de interesse e autopromoção. Quando digo isso, sou ignorado. Mas quem já saiu é quem mais evidencia o problema: programadores, doutores em matemática, vários advogados (incluindo eu mesmo), e até um astrofísico. Poucos percebem o quão difícil é atrair talentos desse nível, muito menos por que eles estão sendo expulsos.”
Ele deu dois exemplos concretos:
Um deles é o problema do estatuto. O DAO gastou dinheiro para que alguém que não fosse advogado, e que oferecesse uma proposta mais barata, redigisse o conteúdo jurídico — rejeitando um advogado corporativo mais experiente e mais barato. Resultado: passaram-se três anos, ainda não há estatuto, o dinheiro foi desperdiçado, e talentos fugiram.
Outro exemplo é a política de conflitos de interesse. “Partes com conflitos controlam a adoção de políticas, então nada acontece. É um ciclo de retroalimentação negativa — quase não há espaço para novos contribuidores entrarem.”
Depois, ele fez uma observação profunda: “Maior centralização não é a solução para um fundo descentralizado. Mudar uma cultura tóxica é difícil; começa com questionamentos — infelizmente, exatamente o que os contribuintes são instruídos a não fazer, mesmo durante reuniões do grupo de trabalho ao discutir responsabilidades pessoais e questões cruciais.”
Perguntar é proibido. Essas seis palavras ilustram melhor do que qualquer artigo extenso o problema.
3. A Institucionalização da Mediocridade
Um mês depois, outro participante profundo, clowes.eth, publicou uma análise mais sistemática intitulada De Estagnação a Estrutura: Reparando a Governança do ENS. Sua observação é mais fria, mas a conclusão igualmente severa:
“Na maior parte de 2025, participei semanalmente de todas as chamadas dos três grupos de trabalho. Eventualmente parei, pois senti que não era o melhor uso do meu tempo.”
Sua avaliação dos três grupos: os bens públicos realmente fizeram o que deveriam — financiaram alguns bens públicos excelentes; a governança de meta-gestão foi eficiente na administração, mas poucas novas iniciativas de governança foram totalmente implementadas; o ecossistema oferece uma plataforma de demonstração, mas não houve crescimento perceptível.
Porém, o que mais o preocupou foi outra questão:
“Minha maior preocupação com os três grupos é que, neste ano, quase não houve novos participantes. E menos ainda, novos que realmente participem das discussões. Infelizmente, esses indicadores nunca foram quantificados, pois nunca foram medidos.”
Uma organização aberta, ao longo de um ano, com quase nenhuma entrada de novos participantes reais. Esses dados, por si só, são uma sentença.
A explicação de clowes.eth é:
“A governança descentralizada simplesmente não consegue empoderar ou incentivar aqueles com as habilidades necessárias para liderar o desenvolvimento de grandes protocolos. Pessoas capazes têm muitas opções e são esperadas para operar em um processo político sem garantias de trabalho, sem continuidade a longo prazo, sem propriedade real.”
Em outras palavras, o sistema escolhe as pessoas erradas. Escolhe quem está disposto a jogar o jogo político, não quem realmente pode impulsionar o desenvolvimento do protocolo. Valoriza a continuidade, mas não necessariamente a capacidade.
E ele escreveu a frase mais precisa do artigo:
“Os participantes evitam compartilhar suas opiniões porque isso pode ter consequências políticas. No final, o problema permanece indeciso, nada é feito, a mediocridade se torna a norma.”
4. O Distorção dos Incentivos
Por que isso acontece?
Vamos retomar a análise inicial de Limes: quando o financiamento futuro depende de relacionamentos, seu incentivo é não prejudicar sentimentos.
Este é um problema clássico de economia institucional, chamado “log-rolling” (voto mútuo). Em ambientes que requerem cooperação contínua, se você criticar minha proposta hoje, talvez eu não apoie a sua amanhã. Com o tempo, todos aprendem a ficar em silêncio, a apoiar uns aos outros, a esconder a verdade.
Essa estrutura de incentivos gera três consequências:
Primeiro, seleção adversa.
Pessoas capazes têm escolhas — podem sair; quem não tem alternativa fica para suportar. Isso leva os que têm algo a dizer e capacidade de falar a saírem mais facilmente. A lista de fuga de talentos de ENSPunks.eth é uma evidência.
Segundo, o efeito de moeda ruim expulsando a boa.
Limes afirmou claramente: “Contribuintes ruins fazem bons contribuidores saírem.” Quando uma organização não consegue eliminar os inaptos, os bons escolhem votar com os pés.
Terceiro, queda na qualidade das decisões.
Eugene Leventhal, da organização Metagov, mencionou uma opinião chocante na discussão: “Você pode aumentar os custos do serviço ou produto do DAO em 2-3 vezes em relação às organizações tradicionais, e isso ainda assim será aceito.”
Essa é a chamada “prêmio DAO” — o custo de descentralização. Mas a questão é: esse custo é estrutural ou pode ser mudado?
5. A Maldição da Abertura
Aqui há uma paradoxo real a ser enfrentado.
Um participante chamado jkm.eth disse que, ao entrar no ENS DAO pela primeira vez, ficou “surpreendido com seu nível de abertura, maior do que quase qualquer outro DAO”. Essa abertura foi o que lhe permitiu ingressar nesse ecossistema.
Por outro lado, Limes aponta um problema que também é real: os grupos de trabalho “não conseguem filtrar quem pode participar”, “recrutando contribuidores com base na disponibilidade, não na capacidade”.
A abertura é uma vantagem, mas também uma vulnerabilidade da DAO.
Em outros DAOs, jkm.eth já viu o oposto: talentos de alta qualidade não conseguem entrar, enquanto insiders que já estão lá ocupam todos os espaços desde o início. Mas no ENS, o problema é outro: a barreira é tão baixa que não há filtragem de qualidade.
É um dilema: se você estabelece uma barreira, viola o princípio de descentralização; se não estabelece, não garante a qualidade da participação. E, ao não garantir qualidade, os bons se vão.
6. O Dilema do Fundador
Nick Johnson, fundador do protocolo ENS e diretor da ENS Foundation, ao falar dessas questões — sobre a luta política que afasta contribuintes e sobre o caminho para uma gestão controlada por incompetentes — assume riscos.
Como fundador, suas palavras têm peso, mas trazem maior responsabilidade. Ele precisa equilibrar “falar a verdade” e “manter a estabilidade da organização”. Optou por falar a verdade, mas acrescentou uma frase protetora: “Se você acha que estou falando de você, não — claro que não — você é uma das boas pessoas.”
Essa frase é irônica porque revela um fato: mesmo um fundador, ao falar a verdade dentro de sua própria organização, precisa primeiro pedir desculpas.
Nick apoia uma solução intermediária — “pausar” os grupos de trabalho, não “eliminar”. Ele acredita que é necessário ter uma “solução sustentável de longo prazo”, como contratar uma empresa de gestão para cuidar das operações diárias da DAO. Mas também admite que, como diretor, teme se a DAO poderá cumprir suas obrigações legais sem contribuintes profissionais.
Essa é uma consideração pragmática: quando todos que dizem a verdade saem, quem fala a verdade?
7. Dois Campos
A discussão rapidamente se divide em dois grupos.
Um lado propõe: revisitar antes de decidir.
James apresentou uma proposta de “revisão”, sugerindo uma auditoria completa dos gastos da ENS DAO nos últimos dois anos, incluindo doações, fornecedores de serviços, grupos de trabalho e tudo o mais financiado pelo fundo da DAO. Ele acredita que, antes de qualquer decisão estrutural importante, é preciso entender a situação atual.
Ele convidou uma organização independente chamada Metagov para liderar essa revisão, com um orçamento de US$ 100 mil a US$ 150 mil.
A proposta foi questionada por Nick: “Gastar mais de US$ 100 mil para encontrar gastos ineficientes e desnecessários parece uma piada. Espero que qualquer leitor perceba a ironia.”
A resposta de James foi: considerando que a DAO gasta mais de US$ 10 milhões por ano, US$ 100 mil representam apenas 1%. Em comparação com avaliações de impacto de organizações tradicionais do mesmo porte, é razoável.
Outro lado defende ação imediata, fazendo enquanto aprende.
Limes e seus apoiadores argumentam que o problema já está claro e não há necessidade de gastar tempo e dinheiro em “revisões”. A ação direta é o caminho.
Um funcionário da ENS Labs, chamado 184.eth, foi ainda mais direto: “Se a ‘revisão’ passar, continuo apoiando fortemente a dissolução imediata dos grupos de trabalho — hoje mesmo, de preferência. Essa é a única maneira de avançar, não podemos mais tolerar estruturas reconhecidamente quebradas e ineficazes.”
Outro administrador, slobo.eth, anunciou que, independentemente do resultado, deixará seu cargo em 1º de janeiro de 2026 e não participará de nenhuma extensão de mandato.
8. Quem Disse a Verdade?
Durante o debate, uma fala merece atenção especial.
clowes.eth, em seu longo texto, escreveu:
“A ENS Labs atualmente é o principal desenvolvedor do protocolo. Recebem cerca de US$ 9,7 milhões por ano do DAO, com autorização para construir o ENSv2 — Namechain. Antes disso, o protocolo foi desenvolvido pela True Names Ltd, e muitos dos fundadores originais e contribuidores iniciais ainda trabalham na Labs.”
Depois, apontou uma verdade que poucos ousam admitir:
“Pessoalmente, não duvido que inicialmente houve intenções genuínas de descentralização. Mas intenções só podem chegar até certo ponto. Na prática, as ações recentes da Labs não têm realmente impulsionado a governança na direção da descentralização.”
Ele citou exemplos: a transparência do trabalho no Namechain ainda é precária; suas estratégias para DNS e ICANN são opacas; contribuintes externos não têm visibilidade clara sobre planos ou estratégias.
E, por fim, disse uma frase mais contundente:
“Se há razões legais para que a Labs mantenha confidencialidade, tudo bem — mas essas questões não deveriam ser sigilosas para o DAO. Devem ser confidenciais em nome do DAO. Agora, a Labs é essa camada opaca. Ela deveria ser o DAO.”
Essa fala toca no núcleo do conflito na governança do ENS: um DAO que controla fundos, mas não consegue supervisionar efetivamente quem realmente os usa.
9. O Custo de Ser Sincero
Vamos recuar um passo e observar a questão da universalidade.
A crise do ENS DAO, na verdade, é um problema que todas as organizações baseadas em consenso enfrentam. Em uma empresa, o chefe toma as decisões e assume as consequências; no DAO, as decisões precisam passar pelo consenso, mas quem paga o custo de falar a verdade?
Falar a verdade tem três custos:
Primeiro, o custo relacional. Criticar uma proposta significa ofender alguém. Em ambientes que requerem cooperação contínua, esse é um custo real.
Segundo, o custo político. Apontar problemas abertamente pode ser visto como “não solidário”, “fazendo intriga”. ENSPunks.eth disse que foi instruído a não fazer perguntas em reunião, o que exemplifica esse custo.
Terceiro, o custo de oportunidade. Dedicar tempo para falar a verdade e promover mudanças pode ser mais difícil do que dedicar-se a construir relacionamentos e buscar recursos. Em um sistema de incentivos distorcidos, falar a verdade é uma tarefa desgastante e pouco recompensadora.
Quando esses custos são altos, as pessoas racionalmente preferem ficar em silêncio. Quanto mais pessoas silenciosas, mais aqueles que falam a verdade parecem “desajustados”. “Desajustados” podem sair ou aprender a se calar.
Essa é a mecânica da paralisia institucional.
10. Uma questão mais profunda
Durante a discussão, vegayp sugeriu uma ideia interessante: “Os administradores e fornecedores de serviços não deveriam poder votar durante seus mandatos.”
A lógica é: ao privar certas pessoas do direito de votar, reduz-se o espaço para negociações políticas. Se você é administrador, não pode votar a favor de propostas que lhe dão fundos; se você é fornecedor de serviços, não pode votar na renovação do seu contrato.
Parece radical, mas aponta uma questão fundamental: assumimos que “mais participação = decisões melhores”, mas se os participantes têm incentivos distorcidos, mais participação pode significar mais politicagem.
Empresas tradicionais resolvem esse problema com hierarquia — o chefe decide e assume as consequências. Os DAOs tentam resolver com consenso — todos decidem juntos e compartilham as consequências. Mas o problema surge quando “todos compartilham as consequências” vira “ninguém assume as consequências”, e a qualidade das decisões cai.
A proposta de clowes.eth de criar uma “OpCo” (empresa operacional) dentro do DAO é, na essência, reconstruir uma estrutura hierárquica e responsável. Ele sugere uma liderança de três pessoas — uma de tecnologia, uma de liderança, uma de finanças — com poder real para contratar, coordenar e executar.
É uma solução pragmática, mas também um compromisso: usar um grau de centralização para obter eficiência e responsabilidade.
Epílogo:
A crise de governança do ENS DAO ainda não terminou. As propostas de revisão e dissolução ainda estão em discussão; a proposta original foi rejeitada pela comunidade. Talvez só em fevereiro do próximo ano surjam novas propostas. As eleições foram adiadas; os administradores estão decidindo seus futuros. Ainda não se sabe se essa crise provocará reformas reais.
Mas, independentemente do resultado, a capacidade de uma organização refletir-se, de coragem de desmontar estruturas existentes, já é uma conquista.
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Crise de governança do ENS: descentralização = baixa qualidade e ineficiência
Em 18 de novembro de 2025, Nick Johnson, fundador do ENS, escreveu no fórum a seguinte mensagem:
Depois, ele acrescentou:
Essa frase parece um consolo, mas na verdade é uma das sátiras mais ácidas. Em uma organização que se autoproclama “descentralizada”, até mesmo o fundador precisa colocar uma camada de proteção ao criticar o estado atual. Essa frase, por si só, é um sintoma.
1. A Rebelião do Secretário
Tudo começou há uma semana.
Em 14 de novembro de 2025, Limes, secretário do ENS DAO, apresentou uma proposta de verificação de temperatura, cuja essência era simples: ao final do sexto mandato (31 de dezembro de 2025), encerrar as operações dos três grupos de trabalho de governança principal, ecossistema e bens públicos.
Na estrutura do ENS, o secretário não é uma figura de apoio genérica. Se os administradores são responsáveis pelos departamentos, o secretário é o núcleo administrativo de toda a DAO.
Limes é um participante de longo prazo do ENS DAO, atuando como administrador por quatro anos e como secretário por dois. Ele é um dos principais operadores dessa estrutura. Quando uma pessoa dessa propõe desmontar sua própria estrutura, isso já diz algo.
Ele apresentou razões diretas:
Primeiro, não há incentivo para dizer a verdade aqui.
“Quando o financiamento futuro depende de relacionamentos interpessoais, seu incentivo se torna não prejudicar os sentimentos dos outros. ‘Eu apoio sua proposta, você apoia a minha’ se torna a norma. Esse modelo prioriza segurança psicológica em detrimento da busca pela verdade, e sem buscar a verdade, só podemos obter resultados ruins.”
Segundo, não é possível eliminar pessoas inadequadas.
“Os grupos de trabalho não podem selecionar quem pode participar. Organizações tradicionais escolhem seus membros e, se necessário, os dispensam, enquanto os grupos de trabalho são default aberto, recrutando contribuidores com base na disponibilidade, não na capacidade. A realidade é que contribuintes ruins fazem bons contribuidores saírem.”
Sua conclusão é: esses problemas não podem ser resolvidos por melhorias nos processos, pois são inerentes à estrutura dos grupos de trabalho. Encerrar esses grupos é a única saída.
2. Lista de Fugas de Talentos
Após a postagem de Limes, um contribuinte chamado ENSPunks.eth — um advogado com mais de dez anos de experiência em direito societário — escreveu algo ainda mais contundente:
Ele deu dois exemplos concretos:
Um deles é o problema do estatuto. O DAO gastou dinheiro para que alguém que não fosse advogado, e que oferecesse uma proposta mais barata, redigisse o conteúdo jurídico — rejeitando um advogado corporativo mais experiente e mais barato. Resultado: passaram-se três anos, ainda não há estatuto, o dinheiro foi desperdiçado, e talentos fugiram.
Outro exemplo é a política de conflitos de interesse. “Partes com conflitos controlam a adoção de políticas, então nada acontece. É um ciclo de retroalimentação negativa — quase não há espaço para novos contribuidores entrarem.”
Depois, ele fez uma observação profunda: “Maior centralização não é a solução para um fundo descentralizado. Mudar uma cultura tóxica é difícil; começa com questionamentos — infelizmente, exatamente o que os contribuintes são instruídos a não fazer, mesmo durante reuniões do grupo de trabalho ao discutir responsabilidades pessoais e questões cruciais.”
Perguntar é proibido. Essas seis palavras ilustram melhor do que qualquer artigo extenso o problema.
3. A Institucionalização da Mediocridade
Um mês depois, outro participante profundo, clowes.eth, publicou uma análise mais sistemática intitulada De Estagnação a Estrutura: Reparando a Governança do ENS. Sua observação é mais fria, mas a conclusão igualmente severa:
Sua avaliação dos três grupos: os bens públicos realmente fizeram o que deveriam — financiaram alguns bens públicos excelentes; a governança de meta-gestão foi eficiente na administração, mas poucas novas iniciativas de governança foram totalmente implementadas; o ecossistema oferece uma plataforma de demonstração, mas não houve crescimento perceptível.
Porém, o que mais o preocupou foi outra questão:
Uma organização aberta, ao longo de um ano, com quase nenhuma entrada de novos participantes reais. Esses dados, por si só, são uma sentença.
A explicação de clowes.eth é:
Em outras palavras, o sistema escolhe as pessoas erradas. Escolhe quem está disposto a jogar o jogo político, não quem realmente pode impulsionar o desenvolvimento do protocolo. Valoriza a continuidade, mas não necessariamente a capacidade.
E ele escreveu a frase mais precisa do artigo:
4. O Distorção dos Incentivos
Por que isso acontece?
Vamos retomar a análise inicial de Limes: quando o financiamento futuro depende de relacionamentos, seu incentivo é não prejudicar sentimentos.
Este é um problema clássico de economia institucional, chamado “log-rolling” (voto mútuo). Em ambientes que requerem cooperação contínua, se você criticar minha proposta hoje, talvez eu não apoie a sua amanhã. Com o tempo, todos aprendem a ficar em silêncio, a apoiar uns aos outros, a esconder a verdade.
Essa estrutura de incentivos gera três consequências:
Primeiro, seleção adversa.
Pessoas capazes têm escolhas — podem sair; quem não tem alternativa fica para suportar. Isso leva os que têm algo a dizer e capacidade de falar a saírem mais facilmente. A lista de fuga de talentos de ENSPunks.eth é uma evidência.
Segundo, o efeito de moeda ruim expulsando a boa.
Limes afirmou claramente: “Contribuintes ruins fazem bons contribuidores saírem.” Quando uma organização não consegue eliminar os inaptos, os bons escolhem votar com os pés.
Terceiro, queda na qualidade das decisões.
Eugene Leventhal, da organização Metagov, mencionou uma opinião chocante na discussão: “Você pode aumentar os custos do serviço ou produto do DAO em 2-3 vezes em relação às organizações tradicionais, e isso ainda assim será aceito.”
Essa é a chamada “prêmio DAO” — o custo de descentralização. Mas a questão é: esse custo é estrutural ou pode ser mudado?
5. A Maldição da Abertura
Aqui há uma paradoxo real a ser enfrentado.
Um participante chamado jkm.eth disse que, ao entrar no ENS DAO pela primeira vez, ficou “surpreendido com seu nível de abertura, maior do que quase qualquer outro DAO”. Essa abertura foi o que lhe permitiu ingressar nesse ecossistema.
Por outro lado, Limes aponta um problema que também é real: os grupos de trabalho “não conseguem filtrar quem pode participar”, “recrutando contribuidores com base na disponibilidade, não na capacidade”.
A abertura é uma vantagem, mas também uma vulnerabilidade da DAO.
Em outros DAOs, jkm.eth já viu o oposto: talentos de alta qualidade não conseguem entrar, enquanto insiders que já estão lá ocupam todos os espaços desde o início. Mas no ENS, o problema é outro: a barreira é tão baixa que não há filtragem de qualidade.
É um dilema: se você estabelece uma barreira, viola o princípio de descentralização; se não estabelece, não garante a qualidade da participação. E, ao não garantir qualidade, os bons se vão.
6. O Dilema do Fundador
Nick Johnson, fundador do protocolo ENS e diretor da ENS Foundation, ao falar dessas questões — sobre a luta política que afasta contribuintes e sobre o caminho para uma gestão controlada por incompetentes — assume riscos.
Como fundador, suas palavras têm peso, mas trazem maior responsabilidade. Ele precisa equilibrar “falar a verdade” e “manter a estabilidade da organização”. Optou por falar a verdade, mas acrescentou uma frase protetora: “Se você acha que estou falando de você, não — claro que não — você é uma das boas pessoas.”
Essa frase é irônica porque revela um fato: mesmo um fundador, ao falar a verdade dentro de sua própria organização, precisa primeiro pedir desculpas.
Nick apoia uma solução intermediária — “pausar” os grupos de trabalho, não “eliminar”. Ele acredita que é necessário ter uma “solução sustentável de longo prazo”, como contratar uma empresa de gestão para cuidar das operações diárias da DAO. Mas também admite que, como diretor, teme se a DAO poderá cumprir suas obrigações legais sem contribuintes profissionais.
Essa é uma consideração pragmática: quando todos que dizem a verdade saem, quem fala a verdade?
7. Dois Campos
A discussão rapidamente se divide em dois grupos.
Um lado propõe: revisitar antes de decidir.
James apresentou uma proposta de “revisão”, sugerindo uma auditoria completa dos gastos da ENS DAO nos últimos dois anos, incluindo doações, fornecedores de serviços, grupos de trabalho e tudo o mais financiado pelo fundo da DAO. Ele acredita que, antes de qualquer decisão estrutural importante, é preciso entender a situação atual.
Ele convidou uma organização independente chamada Metagov para liderar essa revisão, com um orçamento de US$ 100 mil a US$ 150 mil.
A proposta foi questionada por Nick: “Gastar mais de US$ 100 mil para encontrar gastos ineficientes e desnecessários parece uma piada. Espero que qualquer leitor perceba a ironia.”
A resposta de James foi: considerando que a DAO gasta mais de US$ 10 milhões por ano, US$ 100 mil representam apenas 1%. Em comparação com avaliações de impacto de organizações tradicionais do mesmo porte, é razoável.
Outro lado defende ação imediata, fazendo enquanto aprende.
Limes e seus apoiadores argumentam que o problema já está claro e não há necessidade de gastar tempo e dinheiro em “revisões”. A ação direta é o caminho.
Um funcionário da ENS Labs, chamado 184.eth, foi ainda mais direto: “Se a ‘revisão’ passar, continuo apoiando fortemente a dissolução imediata dos grupos de trabalho — hoje mesmo, de preferência. Essa é a única maneira de avançar, não podemos mais tolerar estruturas reconhecidamente quebradas e ineficazes.”
Outro administrador, slobo.eth, anunciou que, independentemente do resultado, deixará seu cargo em 1º de janeiro de 2026 e não participará de nenhuma extensão de mandato.
8. Quem Disse a Verdade?
Durante o debate, uma fala merece atenção especial.
clowes.eth, em seu longo texto, escreveu:
Depois, apontou uma verdade que poucos ousam admitir:
Ele citou exemplos: a transparência do trabalho no Namechain ainda é precária; suas estratégias para DNS e ICANN são opacas; contribuintes externos não têm visibilidade clara sobre planos ou estratégias.
E, por fim, disse uma frase mais contundente:
Essa fala toca no núcleo do conflito na governança do ENS: um DAO que controla fundos, mas não consegue supervisionar efetivamente quem realmente os usa.
9. O Custo de Ser Sincero
Vamos recuar um passo e observar a questão da universalidade.
A crise do ENS DAO, na verdade, é um problema que todas as organizações baseadas em consenso enfrentam. Em uma empresa, o chefe toma as decisões e assume as consequências; no DAO, as decisões precisam passar pelo consenso, mas quem paga o custo de falar a verdade?
Falar a verdade tem três custos:
Primeiro, o custo relacional. Criticar uma proposta significa ofender alguém. Em ambientes que requerem cooperação contínua, esse é um custo real.
Segundo, o custo político. Apontar problemas abertamente pode ser visto como “não solidário”, “fazendo intriga”. ENSPunks.eth disse que foi instruído a não fazer perguntas em reunião, o que exemplifica esse custo.
Terceiro, o custo de oportunidade. Dedicar tempo para falar a verdade e promover mudanças pode ser mais difícil do que dedicar-se a construir relacionamentos e buscar recursos. Em um sistema de incentivos distorcidos, falar a verdade é uma tarefa desgastante e pouco recompensadora.
Quando esses custos são altos, as pessoas racionalmente preferem ficar em silêncio. Quanto mais pessoas silenciosas, mais aqueles que falam a verdade parecem “desajustados”. “Desajustados” podem sair ou aprender a se calar.
Essa é a mecânica da paralisia institucional.
10. Uma questão mais profunda
Durante a discussão, vegayp sugeriu uma ideia interessante: “Os administradores e fornecedores de serviços não deveriam poder votar durante seus mandatos.”
A lógica é: ao privar certas pessoas do direito de votar, reduz-se o espaço para negociações políticas. Se você é administrador, não pode votar a favor de propostas que lhe dão fundos; se você é fornecedor de serviços, não pode votar na renovação do seu contrato.
Parece radical, mas aponta uma questão fundamental: assumimos que “mais participação = decisões melhores”, mas se os participantes têm incentivos distorcidos, mais participação pode significar mais politicagem.
Empresas tradicionais resolvem esse problema com hierarquia — o chefe decide e assume as consequências. Os DAOs tentam resolver com consenso — todos decidem juntos e compartilham as consequências. Mas o problema surge quando “todos compartilham as consequências” vira “ninguém assume as consequências”, e a qualidade das decisões cai.
A proposta de clowes.eth de criar uma “OpCo” (empresa operacional) dentro do DAO é, na essência, reconstruir uma estrutura hierárquica e responsável. Ele sugere uma liderança de três pessoas — uma de tecnologia, uma de liderança, uma de finanças — com poder real para contratar, coordenar e executar.
É uma solução pragmática, mas também um compromisso: usar um grau de centralização para obter eficiência e responsabilidade.
Epílogo:
A crise de governança do ENS DAO ainda não terminou. As propostas de revisão e dissolução ainda estão em discussão; a proposta original foi rejeitada pela comunidade. Talvez só em fevereiro do próximo ano surjam novas propostas. As eleições foram adiadas; os administradores estão decidindo seus futuros. Ainda não se sabe se essa crise provocará reformas reais.
Mas, independentemente do resultado, a capacidade de uma organização refletir-se, de coragem de desmontar estruturas existentes, já é uma conquista.